O Brasil é reconhecido mundialmente por oferecer acesso universal, integral e gratuito à saúde por meio do SUS – um sistema que vai além da assistência médica, promovendo justiça social, inclusão e equidade. Como política pública essencial, o SUS vai além da oferta de atendimentos médicos e hospitalares, sendo também um instrumento de justiça social, que promove equidade e inclusão. Em meio a desafios estruturais e políticos, o SUS segue firme em seu compromisso com a vida, especialmente das pessoas em situação de vulnerabilidade. No centro desse sistema está o acolhimento, uma prática que humaniza o atendimento e estabelece vínculos entre profissionais de saúde e usuários.
No contexto da saúde, acolher significa escutar, respeitar e atender o outro com empatia, reconhecendo suas necessidades físicas, emocionais, sociais e culturais. O acolhimento não se resume a uma recepção cordial — ele é parte fundamental do cuidado integral, pois leva em conta a complexidade do ser humano em sua totalidade. Quando o acolhimento é bem praticado, fortalece a confiança no sistema de saúde, melhora a adesão ao tratamento e contribui para a recuperação dos pacientes.
Em uma pequena cidade do interior, dona Marlene, uma idosa hipertensa, chegava à unidade de saúde com medo e desconfiança. Foi recebida por uma enfermeira que a escutou com paciência, explicou seu quadro clínico e orientou com carinho sobre os cuidados. Meses depois, dona Marlene se tornou exemplo na comunidade — não apenas pela melhora na saúde, mas pela forma como passou a acolher e orientar outras pessoas.
1. O que é o Acolhimento no SUS?
O acolhimento no Sistema Único de Saúde (SUS) é uma diretriz fundamental estabelecida pela Política Nacional de Humanização (PNH), criada em 2003. Segundo essa política, o acolhimento não se resume a um local ou procedimento específico, mas sim a uma postura ética e relacional que deve estar presente em todas as práticas de cuidado. Trata-se da escuta atenta, da valorização do sujeito em sua totalidade e da construção de um vínculo respeitoso entre profissionais de saúde e usuários. O objetivo é garantir que todas as pessoas sejam atendidas com dignidade, independentemente da gravidade de seus sintomas, considerando não apenas a queixa clínica, mas também seu contexto social e emocional.
Diferentemente do atendimento tradicional, que muitas vezes é centrado em procedimentos técnicos e na lógica da fila de espera, o acolhimento humanizado propõe a reorganização dos fluxos de entrada nos serviços, priorizando a escuta qualificada, o estabelecimento de vínculos e a corresponsabilidade entre usuários e profissionais. Isso significa que o profissional não apenas atende, mas se compromete com a continuidade do cuidado, promovendo a resolutividade dos problemas de forma integral.
Os princípios norteadores do acolhimento no SUS incluem a escuta qualificada, que exige atenção genuína e empatia por parte dos profissionais; o vínculo, que fortalece a confiança entre usuários e serviços; e a responsabilização, que implica o compromisso da equipe com os desfechos do cuidado. Nesse processo, a equipe multiprofissional tem papel central. Médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e demais profissionais atuam de forma integrada, compartilhando saberes e decisões.
Acolhimento como Porta de Entrada: Unidade Básica de Saúde e Estratégia de Saúde da Família

O acolhimento é um dos pilares fundamentais no atendimento oferecido pelas Unidades Básicas de Saúde (UBSs) e pela Estratégia de Saúde da Família (ESF). Mais do que uma recepção cordial, trata-se de escutar ativamente o paciente, considerar suas necessidades e garantir um atendimento humanizado e resolutivo. Nas UBSs e PSFs, o acolhimento acontece logo no primeiro contato com a equipe, seja na recepção, na triagem ou na consulta. Esse momento é decisivo para criar um vínculo de confiança entre o cidadão e o sistema de saúde.
Prevenção Através do Atendimento Inicial
O primeiro atendimento tem um papel preventivo essencial. Ao identificar sinais precoces de doenças, orientar práticas de autocuidado e encaminhar adequadamente os usuários, as equipes evitam complicações futuras. Esse cuidado inicial pode impedir a evolução de enfermidades, reduzir internações hospitalares e otimizar o uso dos recursos do sistema público de saúde. A escuta qualificada nesse momento evita que o paciente se sinta desamparado ou ignorado, o que aumenta sua adesão ao tratamento e à continuidade do cuidado.
Acolhimento em Regiões Periféricas e Rurais
Em áreas periféricas e rurais, o acolhimento assume um papel ainda mais estratégico. Nessas regiões, onde o acesso à saúde pode ser limitado, o PSF atua com visitas domiciliares, acompanhamento de famílias e promoção da saúde comunitária. Exemplos incluem ações coletivas com agentes comunitários que escutam demandas locais e oferecem soluções criativas e sensíveis à realidade de cada território.
Fortalecendo a Confiança no Sistema de Saúde
Quando o acolhimento é efetivo, a população sente-se valorizada e protegida. Isso fortalece a confiança nas UBSs e na ESF, aproximando o cidadão dos serviços públicos e promovendo uma relação contínua de cuidado. A sensação de ser ouvido e respeitado é o primeiro passo para um sistema de saúde mais inclusivo e eficiente.
Casos Reais: Quando o Acolhimento Salvou Vidas
O acolhimento, quando genuinamente praticado, tem o poder de transformar destinos. Em diferentes regiões do Brasil, histórias emocionantes mostram como atitudes humanizadas fizeram a diferença em situações críticas. A seguir, três relatos que exemplificam esse impacto.
Atendimento humanizado a uma gestante em situação de risco – Recife (PE)
No Hospital da Mulher do Recife, uma jovem gestante chegou com fortes dores e histórico de violência doméstica. Assustada e retraída, ela hesitava em relatar o que sentia. Com preparo para escutar com atenção e agir com empatia, a equipe de enfermagem contribuiu para um ambiente acolhedor e de confiança. A profissional responsável se sentou ao lado da paciente, ouviu sem julgamentos e acionou imediatamente o serviço social.
Análise: Essa escuta acolhedora possibilitou que a gestante compartilhasse indícios de um parto antecipado. A intervenção rápida evitou complicações graves para o bebê e garantiu proteção à mãe, que foi encaminhada a uma rede de apoio. O cuidado humanizado foi decisivo para preservar duas vidas.
Atendimento e acolhimento a indivíduos em crise emocional em uma Unidade de Pronto Atendimento na cidade de Goiânia (GO).

Em uma unidade de atendimento emergencial, um homem em crise psicótica gritava intensamente e fazia tentativas de escapar. Em vez de contenção imediata, a equipe optou por uma abordagem acolhedora. Um técnico de enfermagem, com formação em saúde mental, se aproximou com calma, chamou-o pelo nome e ofereceu água. Aos poucos, o paciente começou a apresentar indícios de calma.
Análise: A escuta ativa e a abordagem desarmada evitaram o uso de contenção física, preservando a dignidade do paciente. A equipe acionou o CAPS local, que garantiu o acompanhamento contínuo. O acolhimento possibilitou uma retomada mais segura do tratamento e evitou internações desnecessárias.
2. Por Que Ouvir com Empatia Pode Salvar Vidas no Sistema de Saúde?
A escuta empática, mais do que uma técnica, é uma postura de acolhimento profundo que pode, literalmente, salvar vidas. Ao ouvir com atenção e sem julgamentos, o profissional de saúde permite que o paciente se expresse de forma autêntica, revelando informações que, muitas vezes, não seriam ditas em um atendimento apressado ou impessoal. Situações como dor emocional, risco de suicídio ou dúvidas sobre o tratamento exigem um olhar sensível e uma escuta que vá além dos sintomas físicos. Quando o paciente sente que está sendo verdadeiramente compreendido, ele se sente mais seguro para falar, confiar e seguir as orientações. Isso pode significar o início de um processo de cura mais completo e eficaz. No SUS, onde a diversidade de contextos sociais é imensa, ouvir com empatia é um ato revolucionário de cuidado e compromisso com a vida.
Abordagem empática a uma pessoa em situação de rua com tuberculose – Curitiba (PR)
Durante uma ação da atenção básica, agentes comunitários encontraram um homem tossindo com frequência, isolado sob uma marquise. Em vez de exigir exames ou conduzi-lo à força, os profissionais se apresentaram com respeito, ofereceram uma refeição e iniciaram um diálogo. Alguns dias depois, ele concordou em ser encaminhado ao posto de atendimento médico.
Análise: A confiança estabelecida foi crucial para o diagnóstico e início do tratamento da tuberculose. O acolhimento possibilitou a adesão ao tratamento e posterior encaminhamento para um abrigo. A vida daquele homem foi resgatada por meio de empatia e respeito.
Oferecer um atendimento mais humano é um dos fundamentos mais importantes para quem atua na área da saúde
A humanização no atendimento é um pilar essencial para profissionais da saúde. Muitos relatam que acolher vai além de ouvir: é olhar o paciente como ser humano, com histórias, dores e esperanças. Para isso, a formação e a capacitação são fundamentais, preparando-os para lidar com diferentes contextos emocionais e sociais. No entanto, os desafios do dia a dia são muitos — sobrecarga de trabalho, falta de estrutura adequada e excesso de burocracias dificultam a prática do acolhimento. Apesar disso, a dedicação desses profissionais resiste. Por isso, é fundamental oferecer apoio a quem dedica sua vida ao cuidado do outro. Oferecer suporte emocional, condições dignas de trabalho e valorização profissional são formas de garantir que o cuidado chegue a quem precisa com empatia, respeito e humanidade.
3. O Papel da Comunidade e da Gestão Pública no Fortalecimento do Acolhimento
A construção de uma sociedade mais acolhedora exige a corresponsabilização entre o Estado e a comunidade. Quando ambos atuam de forma integrada, é possível promover ações efetivas de apoio, inclusão e cuidado com quem mais precisa. O acolhimento não deve ser visto como um ato isolado de empatia, mas como parte de uma rede estruturada que une políticas públicas, participação popular e iniciativas locais.
Conselhos de Saúde e Participação Social
Os conselhos de saúde exercem um papel essencial ao permitir que a população participe ativamente da criação e do acompanhamento das políticas públicas de saúde. Por meio desses espaços, representantes da comunidade podem sugerir melhorias, identificar falhas no acolhimento e garantir que as ações do governo estejam alinhadas às reais necessidades da população. Essa escuta ativa fortalece o vínculo entre gestores e cidadãos, promovendo políticas mais justas e humanas.
A Importância dos Projetos de Extensão Universitária na Construção de Redes de Apoio
As universidades, por meio de projetos de extensão, também cumprem um papel importante no fortalecimento do acolhimento. Ao levar conhecimento e serviços para comunidades vulneráveis, esses projetos constroem pontes entre o saber acadêmico e a realidade social, contribuindo para a criação de redes de apoio e cuidado. Além disso, colaboram com a formação cidadã dos estudantes, que aprendem na prática o valor da empatia e da responsabilidade social.
A Força das Boas Gestões Municipais
Gestões municipais comprometidas com o bem-estar da população são determinantes para garantir acolhimento efetivo. Investimentos em saúde, assistência social, educação e habitação, aliados à valorização da escuta popular, impactam diretamente a qualidade de vida das pessoas. “Quando a gestão pública atua com clareza, empatia e responsabilidade, promove um cenário de respeito, acolhimento e cooperação, que contribui para o fortalecimento coletivo da sociedade.
Motivos para Valorizar o Atendimento Humanizado na Saúde Pública
Valorizar o atendimento humanizado na saúde pública é reconhecer a importância de tratar cada paciente como um ser único, com sentimentos, histórias e necessidades específicas. A humanização rompe com a lógica puramente técnica e burocrática, aproximando o profissional da realidade do paciente e criando um espaço de confiança e acolhimento. Quando há escuta ativa, respeito à dignidade e empatia no contato com o usuário do SUS, há também maior adesão aos tratamentos, melhora na satisfação e fortalecimento do vínculo entre equipe de saúde e comunidade. Além disso, profissionais que atuam com uma abordagem mais humana tendem a se sentir mais realizados e menos sobrecarregados emocionalmente, pois compreendem o valor transformador da sua atuação. Um SUS mais humano é um SUS mais eficiente, pois promove o cuidado integral e fortalece os princípios do sistema: equidade, universalidade e integralidade.
4. Acolhimento e Equidade: Atendendo Populações Vulneráveis
A promoção do acolhimento e da equidade no sistema de saúde é fundamental para reduzir as desigualdades enfrentadas por populações historicamente marginalizadas, como povos indígenas, comunidades quilombolas, pessoas com deficiência, LGBTQIA+, e imigrantes. O acolhimento humanizado e respeitoso é um passo essencial para garantir acesso digno aos direitos básicos e fortalecer a cidadania desses grupos.
Desigualdades Históricas e Barreiras de Acesso
As populações vulneráveis ainda enfrentam diversas barreiras no acesso à saúde, incluindo racismo estrutural, capacitismo, homofobia, xenofobia e falta de profissionais preparados para lidar com suas especificidades culturais e sociais. Em muitos casos, a ausência de políticas públicas direcionadas perpetua a exclusão e compromete a qualidade do atendimento recebido.
Para comunidades indígenas e quilombolas, por exemplo, a distância geográfica dos centros urbanos e a falta de infraestrutura adequada comprometem o atendimento contínuo e de qualidade. Pessoas com deficiência, por sua vez, lidam com a ausência de acessibilidade física e comunicacional nos serviços de saúde. Já a população LGBTQIA+ muitas vezes sofre discriminação e violência institucional ao buscar cuidado.
Práticas Inclusivas no SUS
O Sistema Único de Saúde (SUS) tem buscado implementar ações inclusivas para superar essas barreiras. Exemplos incluem a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, a Política Nacional de Atenção à Saúde dos Povos Indígenas, e a Política Nacional de Saúde LGBT. Além disso, iniciativas como os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) e as equipes multidisciplinares em territórios específicos têm fortalecido o vínculo com essas populações.
Programas de formação continuada para profissionais da saúde também contribuem para ampliar a sensibilidade e o preparo das equipes, promovendo um acolhimento que respeite a diversidade e promova a equidade.
5. Como Melhorar o Acolhimento no SUS? Caminhos e Propostas

Melhorar o acolhimento no Sistema Único de Saúde (SUS) passa por uma série de ações interligadas que envolvem investimento, formação profissional e escuta ativa da população. Uma das principais propostas é a capacitação contínua das equipes de saúde, com foco na humanização do atendimento e na valorização da escuta como parte essencial do cuidado. Profissionais preparados para lidar com diferentes realidades sociais e emocionais são capazes de oferecer um atendimento mais empático e eficaz.
Outro caminho importante é a ampliação das estruturas físicas e do número de profissionais disponíveis, o que reduz filas e tempo de espera — fatores que impactam diretamente na percepção de acolhimento. Além disso, ouvir os usuários do SUS é essencial. A criação de canais acessíveis de feedback, como ouvidorias comunitárias e conselhos de saúde atuantes, permite que a população participe da construção de um sistema mais justo e acolhedor.
Por fim, é preciso fomentar políticas públicas que incentivem a valorização dos vínculos entre profissionais e usuários, promovendo uma cultura de cuidado e respeito. O acolhimento não deve ser visto apenas como um procedimento técnico, mas como um compromisso com a dignidade humana. Com ações integradas e sensibilidade, é possível transformar o SUS em um espaço ainda mais humano e eficiente.
Políticas Públicas e Valorização Profissional
Para fortalecer o acolhimento, é necessário que as políticas públicas estejam voltadas à valorização da humanização no atendimento. Programas como a Política Nacional de Humanização (PNH) precisam ser retomados e reforçados, assegurando que os princípios de equidade, integralidade e participação social estejam presentes em todas as instâncias do SUS.
Outro caminho importante é o investimento contínuo na formação de profissionais de saúde. A capacitação técnica, aliada a práticas que desenvolvam a escuta sensível e o olhar integral para o paciente, contribui para um atendimento mais acolhedor. Cursos de formação continuada e rodas de conversa entre equipes podem fortalecer o trabalho em rede e o compromisso com o cuidado.
Além disso, a ampliação da rede de atenção básica, com mais unidades de saúde da família, garante maior proximidade com os usuários e permite ações preventivas, reduzindo a sobrecarga dos serviços de urgência. Nesse cenário, a valorização dos agentes comunitários de saúde se destaca como estratégia essencial. Eles são o elo entre a comunidade e os serviços, desempenhando um papel fundamental na identificação de vulnerabilidades e na promoção do cuidado humanizado.
A construção de um SUS mais acolhedor depende de ações integradas, que coloquem as pessoas no centro do cuidado.
Conclusão
O acolhimento no Sistema Único de Saúde (SUS) representa muito mais do que uma etapa inicial no atendimento: é um gesto de escuta, empatia e cuidado que transforma vidas. Ao longo deste texto, vimos como o acolhimento humaniza o sistema de saúde, reduz barreiras entre profissionais e usuários, e fortalece o vínculo necessário para uma atenção integral e eficaz. Ele não é um favor, mas sim um direito assegurado e uma expressão concreta de respeito à dignidade de cada ser humano.
Nos corredores dos postos de saúde, nas salas de espera dos hospitais e nas unidades de pronto atendimento, o acolhimento se manifesta no olhar atencioso, na palavra gentil, na disposição em ouvir quem sofre. É nesse encontro entre profissional e paciente que o SUS revela seu verdadeiro valor: ser um sistema público, gratuito e comprometido com a vida.
Essa realidade só é possível graças ao trabalho incansável de milhares de profissionais da saúde, que mesmo diante de desafios estruturais, continuam a acolher com respeito, competência e humanidade. A eles, todo o reconhecimento e gratidão.
Encerramos com um convite à reflexão: o que podemos fazer, individual e coletivamente, para fortalecer o SUS? Defender seu financiamento, valorizar seus trabalhadores, respeitar os espaços públicos de saúde e lutar por melhorias são passos fundamentais. O acolhimento é também responsabilidade de todos nós. Que essa semente floresça em cada atitude, pois cuidar do SUS é cuidar da vida.